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Não deveríamos ser mais complacentes?



O que importa então? Não obstante, em todos os sentidos, seja por pretexto ou pela verdade, Cristo é pregado; e eu me regozijo sim, e me alegrarei. (Filipenses 1: 18)


Chesterton tem sido um dos autores cristãos que mais tenho prazer em ler, pois sua escrita flui de forma agradável, ainda que seja (ou pareça) intelectual a um nível acadêmico. O seu livro O Homem Eterno, por exemplo, auxiliou na conversão cristã de C. S. Lewis, o qual possui uma escrita semelhantemente agradável. Não li tantos livros seus, mas percebi que ele parece ser um pouco implicante com os calvinistas de modo geral. [1] Não mais do que os ateus e socialistas, obviamente, e é ai que ele se torna um autor universal para os cristãos. Ainda assim, percebi que ele tem certa implicância com os calvinistas, principalmente os puritanos, o que a meu ver o deixa menos "católico" (isto é, universal).

Ele deve ter lá suas razões. Talvez sejam questões lógicas, históricas e/ou políticas. As lógicas eu deixo pra filosofia, apesar de que alguns achem que seria esse um trabalho da teologia (alguém pode me dizer o que Agostinho faz quando tece suas reflexões acerca do cristianismo?). Já as históricas, podem ser passíveis de paixões. Um pouco de eventos anteriores misturados com a política pode ser o caminho que Chesterton trilhou. A análise parece ser de que Oliver Cromwell, um puritano inglês, era um revolucionário, que derrubou a monarquia inglesa no século XVII, tal como fizeram os franceses no século XVIII e os comunistas russos no século XX, além de normalmente interpretar os seus sucessos como . A ditadura militar (assim Churchill apelidou este período da história inglesa) de Cromwell foi horrível para os católicos irlandeses - sua relação com os conflitos religiosos entre católicos e protestantes, que existem até hoje, são controversos. [2] Se ele parece estar fazendo o papel de católico irlandês, que tem seu próprio número de católicos mortos pelos protestantes, repito, ele não parece estar sendo universal.

Longe de dizer que Chesterton não seja uma leitura básica para o cristão. Ela deveria ser, aliás. O que me trouxe aqui foi outro texto, do calvinista John Piper, [3] defendendo-se dessa mesma implicância de Chesterton. Só que em vez de colocar o que o autor britânico tem de melhor - e relevar suas crenças católicas, como a veneração de Maria -, ele faz uma análise comum daqueles que pretendem dizer o que você deve evidentemente fazer ao dar de cara com uma bolha diferente, ou seja, procurar outra.

Piper faz uma análise de Ortodoxia, no qual Chesterton dedica um trecho a falar sobre o calvinismo. [4] A citação a que se insere tem relação imediata com o determinismo científico que era vivido naquele período:
Primeiro, encontrei o mundo moderno falando fatalismo científico; dizendo que tudo é como sempre deve ter sido, sendo desdobrado sem falhas desde o início. A folha da árvore é verde porque nunca poderia ter sido outra coisa. Agora, o filósofo de contos de fadas está contente que a folha seja verde precisamente porque poderia ter sido escarlate. Ele sente como se tivesse ficado verde um instante antes de olhar para ele. Ele está satisfeito por a neve ser branca no terreno estritamente razoável de que poderia ter sido preta. Cada cor tem uma qualidade arrojada como opção; o vermelho das rosas do jardim não é apenas decisivo, mas dramático, como sangue derramado repentinamente. Ele sente que algo foi feito. Mas os grandes deterministas do século XIX eram fortemente contra esse sentimento nativo de que algo havia acontecido um instante antes. De fato, segundo eles, nada realmente aconteceu desde o começo do mundo. Nada aconteceu desde que a existência aconteceu; e mesmo na data em que eles não tinham muita certeza.
O mundo moderno como o encontrei era sólido para o calvinismo moderno, para a necessidade de as coisas serem como são. Mas quando perguntei a eles, descobri que eles realmente não tinham provas dessa repetição inevitável nas coisas, exceto no fato de que as coisas estavam repetidas. Agora, a mera repetição tornou as coisas para mim um pouco mais estranhas do que mais racionais. Era como se, tendo visto um nariz curiosamente moldado na rua e o descartado como um acidente, eu tivesse visto seis outros narizes da mesma forma surpreendente. Eu deveria ter imaginado por um momento que deve ser alguma sociedade secreta local. Então, um elefante com uma tromba era estranho; mas todos os elefantes com troncos pareciam uma trama. Falo aqui apenas de uma emoção, e de uma emoção ao mesmo tempo teimosa e sutil. Mas a repetição na Natureza às vezes parecia ser uma repetição excitada, como a de um professor zangado dizendo a mesma coisa repetidamente. A grama parecia sinalizar para mim com todos os dedos ao mesmo tempo; as estrelas lotadas pareciam ser entendidas. O sol me faria vê-lo se ele se levantasse mil vezes. As recorrências do universo subiram ao ritmo enlouquecedor de um encantamento, e comecei a ter uma ideia.
Não são todos os autores dos quais gostamos que compartilham da mesma opinião em tudo que diz respeito ao cristianismo, entretanto, muitos cristãos nos dizem coisas que não ouviríamos em nossos próprios segmentos, a menos que Deus tenha revelado uma tradição especial como a mais correta – e parece que, diferente de Chesterton, Piper fala aos calvinistas, quando diz que acha melhor as doutrinas da Graça (TULIP) em relação ao catolicismo, deixando assim de ser universal (isto é, não a IURD).

Piper coloca o exemplo de Cowper, um poeta citado por Chesterton em seu texto como afetado na própria saúde pelo calvinismo. O exagero de Chesterton dá lugar a outro: foi o calvinista John Newton que salvou Cowper na ocasião. Isso não me parece novo. E me desculpem os calvinistas, mas já ouvi duas ou mais pregações dessa linha teológica que não tentam, como deveriam, harmonizar estes exemplos de cristãos, usando suas contribuições sem precisar diminuí-lo por conta de sua fé. Já ouvi coisas como: “Edwards, Whitefield e Wesley eram homens piedosos, mas Wesley não tratava bem sua esposa.” Ou então, o famoso “não era bem isso que Armínio queria”. Seria mais honesto falar abertamente que não acha esta ou aquela uma boa referência. Eu, por exemplo, sou um não-leitor de José de Alencar. Que ganho eu darei para a literatura se começar um texto dizendo que “li duas vezes o livro Senhora, pois possui muitas virtudes, exceto pelos detalhes excessivos”, quando eu poderia dizer abertamente que tive que ler esse livro na escola, apesar de ser maçante, de enredo medíocre e sem atrativos? Não sei se todos concordam com isso, mas ser sincero não impede outras pessoas de conhecerem tal autor, em vez de insinuar algo sobre o autor (sei lá, que li três vezes José de Alencar apesar de ele ser vegano, por exemplo) a fim de invalidar seu estudo.

Parece que estou exagerando, mas é o que acontece: “Há um pecado doutrinário lá? Então, prefiro ficar nesta redoma aqui.” Não deveria ser assim. Não enxergaremos nossos pecados se dissermos que encontramos a verdade em alguma prática ao invés de ter encontrado a verdade na palavra de Deus. Apesar de parecer um pensamento simplório, e alguns disserem que isso "ninguém em sã consciência afirmaria", a grande maioria o faz. É talvez por isso que estamos carentes de referências cristãs no século XXI. Se você queria alguém que fosse não apenas inteligente, mas um pregador da palavra, você tinha um Billy Graham. Se precisasse de conteúdo filosófico e cristão, tínhamos Lewis. Hoje temos Plantinga e Craig como referências em filosofia, mas carecemos de bons pregadores, daqueles que não fazem outro proselitismo a não ser a mensagem do evangelho. 

Chesterton era católico. Obviamente, irei discordar de muita coisa que ele disser quando estiver defendendo o Vaticano em detrimento da mensagem da cruz. Piper é calvinista, e também discordarei de sua defesa monergista/determinista da fé. Mas ambos tem muito a contribuir para os cristãos de uma forma geral, principalmente os que não corroboram com os sectarismo impostos pelo homem. Afinal, não somos todos trabalhadores da mesma vinha, e ambos receberemos o mesmo salário. Não é pelos nossos méritos de Calvino ou do Papa, mas de Jesus Cristo.

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Notas:
[1] Aqui um artigo que traduzi recentemente, onde ele analisa o contexto puritano inglês. (A Short History of England, 1917, The Age of Puritans, disponível no Repositório Cristão.)
[2] Oliver Cromwell’s war crimes, the Massacre of Drogheda in 1649, disponível em The Irish Central. Oliver Cromwell, disponível em BBC.
[3] O Deus soberano da “Elfolândia” (Por que o anti-calvinismo de Chesterton não me desencoraja), disponível em Voltemos ao Evangelho.
[4] A ética da Elfolândia, disponível no Repositório Cristão.

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